O Observatório da Prostituição publicou pesquisa preliminar sobre o efeito de Rio2016 na indústria de sexo no Rio de Janeiro. Segue embaixo o press release do grupo. Click here for English.
Quem somos…
Observatório da Prostituição é um projeto de extensão do Instituto de Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR-UFRJ) que, desde o 2013, realiza pesquisas empíricas de caráter etnográfico, levantamento bibliográfico, pesquisa documental e ações de extensão as mais variadas que contribuem para ampliar o espaço político e público do debate sobre o trabalho sexual, privilegiando, nesse campo, o ponto de vista das prostitutas que militam pelo reconhecimento de uma categoria ocupacional. Assim, possibilita circular sentidos variados da prostituição, entre os quais está a reivindicação do reconhecimento pleno dos direitos dos profissionais do sexo à cidade e ao trabalho sexual. Para tanto, acompanha e contribui para a elaboração de políticas públicas concernentes ao universo do trabalho sexual e dos direitos sexuais, buscando incorporar estudantes de graduação e pós-graduação para:
1) Construção do mapa nacional das violações dos DH de prostitutas;
2) Acompanhamento das políticas públicas e legislação voltadas à prostituição e ao reconhecimento do trabalho sexual em contextos nacional e internacional;
3) Acompanhamento das intervenções urbanas em áreas de prostituição no Brasil e, em especial, na região metropolitana do Rio de Janeiro, sobretudo durante megaeventos esportivos como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos.
Sobre o projeto Os impactos dos megaeventos nos mercados do sexo no Rio de Janeiro
Mais uma vez o Rio de Janeiro está sediando um megaevento esportivo: as Olimpíadas 2016. Com ele, nossa equipe do Observatório da Prostituição saiu a campo de novo, a exemplo do que fizemos na Copa do Mundo de 2014, quando acompanhamos a movimentação no mercado do sexo na cidade (veja nosso relatório sobre a Copa do Mundo de 2014 aqui: http://docplayer.com.br/7407618-Observatorio-da-prostituicao-lemetro-ifcs-ufrj.html).
Durante os Jogos Olímpicos, os objetivos de nossa pesquisa têm sido observar como o poder público tem intensificado os projetos de “animação” das áreas “revitalizadas”; como tudo isso enseja a reordenação do mercado informal; e como essas novas configurações se desdobram na vida profissional da/os trabalhadora/os sexuais. Para alcançarmos essas metas, compusemos uma equipe de pesquisadora/es (6 professores-pesquisadores, 8 bolsistas do Observatório, 3 pesquisadores associados, 15 trabalhadoras sexuais) para observar os movimentos nos lugares-chaves do comércio do sexo na cidade do Rio de Janeiro durante os Jogos Olímpicos e Paralímpicos.
Um coletivo de fotógrafos voluntários também integra a equipe dando prioridade ao eixo audiovisual de nosso projeto etnográfico. Esse coletivo está auxiliando trabalhadoras sexuais a retratarem, através da produção de imagens e áudios digitais, os seus cotidianos de trabalho e convivência, para que possamos registrar o olhar das profissionais do sexo sobre suas vidas nessa cidade durante o megaevento. A curadoria será, enfim, feita pelas próprias autoras, para uma exposição virtual. Assim, como produtoras de conhecimento, prostitutas participantes do projeto orientam essa ação de extensão, produzindo imagens e, com elas, um valor especial ao trabalho sexual e às suas vidas em particular na prostituição. Nesse eixo do projeto, será o olhar de mulheres trabalhadores sexuais que produzirá uma mirada sobre a própria cidade. Parece ficar claro que seus cotidianos em nada diferem da rotina de qualquer outro citadino, aquele que vive – caminha, mora, trabalha, brinca, dorme – na cidade. Profissionais do sexo, afinal, têm muito a nos informar sobre como anda a cidade, tanto a cidade física quanto a cidade política. Talvez desse ponto de vista seja mais fácil perceber como o trabalho nesse métier parcialmente reconhecido forma mulheres autônomas e com uma certa consciência sobre a vida pública.
A metodologia da pesquisa etnográfica consiste em colocar equipes de pesquisadores nos principais pontos do mercado do sexo (pré-estabelecidos por um mapeamento prévio). Essas equipes produzem cadernos de campo com observações retiradas das interações e conversas com as diversas pessoas que circulam nesses espaços, concentrando em levantar informações acerca de como os Jogos Olímpicos estão influenciando em suas rotinas.
Os projetos urbanísticos e as grandes intervenções na cidade têm reorganizado o comércio do sexo e, com isto, muitas prostitutas não se situam mais nos lugares em que antes viviam e trabalhavam. Ou seja, a distribuição do trabalho sexual e das profissionais do sexo tem mudado no Rio em função das inúmeras intervenções planejadas para a realização desses eventos. Um de nossos objetivos principais é, portanto, dar conta dessas mudanças e dos impactos que acarretam nas vidas das profissionais do sexo.
Outro objeto de nossa atenção é o processo de militarização da cidade e suas consequências para os mercados de sexo. A exemplo do que observamos na Copa do Mundo 2014, o policiamento ostensivo e constante foi um grande empecilho ao funcionamento do mercado do sexo em alguns pontos da cidade. Antes da abertura da Copa do Mundo, operações de fechamento de casas terminaram até com prisões arbitrárias de prostitutas e um sem número de outras violações. As duas grandes operações símbolos dessa repressão em 2014 aconteceram pouco antes da Copa: a primeira em maio, com uma operação espetacular ocorrida no “Prédio da Caixa Econômica”, em Niterói, que resultou na prisão ilegal de 120 prostitutas; a segunda, um dia antes da abertura, que culminou com o fechamento do Balcony Bar, em Copacabana.
Em 2014, começamos a pesquisa de campo intensivo na primeira semana de agosto, reduzindo para um ritmo mais lento a partir do final daquele ano. Agora, em 2016, concentramos o trabalho de campo durante os Jogos Olímpicos e mantemos as idas à campo, após as Olimpíadas, para a realização de algumas entrevistas mais estruturadas. Continuaremos com o trabalho até o final do mês de setembro, quando terminarão os Jogos Paralímpicos.
Já podemos adiantar que os clichês relativos aos megaeventos que a grande imprensa noticia e diversos grupos alardeiam (aumento do tráfico de pessoas, exploração de crianças e adolescentes) não têm se configurado na prática. Durante a Copa do Mundo, a baixa procura por sexo pago foi uma queixa recorrente das trabalhadora/os sexuais. Naquela ocasião, analisamos que a maioria dos pontos dos mercados do sexo tinham como seus principais clientes os brasileiros, e não os visitantes e torcedores estrangeiros, e que os diversos feriados decretados nos dias dos jogos do Brasil alteraram a rotina de comparecimento desse público, reduzindo o movimento nos locais de prostituição. Em termos das condições gerais vigentes no comércio do sexo no Rio no período pré-Olimpíada, verificamos que as trabalhadoras sexuais já estavam preocupadas com a baixa frequência da clientela. As que trabalharam durante a Copa estavam bastante preocupadas com a possibilidade de redução do movimento que, mais uma vez, o início de um megaevento na cidade poderia causar na grande maioria dos pontos do Rio.
Qual a avaliação inicial sobre o impacto dos Jogos no comércio do sexo na cidade? Que tipo de efeitos ocorreram sobre a demanda?
Considerando a movimentação cotidiana do mercado do sexo, podemos dizer que a oferta, durante os JO, foi muito maior do que a demanda. Houve um aumento no número de mulheres trabalhando nos diversos pontos de prostituição da cidade e esse aumento na oferta não parece ter gerado um aumento na demanda. Ainda que houvesse mais de 1 milhão de pessoas a mais circulando na cidade, na maioria dos pontos diminuiu tanto o número de homens presentes, quanto o número de clientes dispostos a pagar por um programa.
Até agora, a grande maioria das mulheres com quem estamos conversando avalia os Jogos negativamente. E tanto elas como a grande maioria dos/as donos/as das casas afirmam que suas expectativas, já modestas pela experiência anterior da Copa do Mundo, ainda ficaram muito aquém da efetiva resposta do público consumidor do sexo pago. No entanto, resta ainda avaliar mais detidamente se esse resultado se deve a uma queda geral no mercado de serviços durante a primeira metade de 2016, ou se os JO, em especial, afetaram sensivelmente o comércio sexual. O que podemos dizer, contudo, é que houve uma grande variação desses efeitos nos distintos pontos de prostituição do Rio.
Só havia um local, na Barra da Tijuca, onde a demanda de fato parece ter aumentado. Mas é importante notar que isso se deve também à concentração de mulheres e clientes em um único ponto, e não a um aumento da demanda em toda a cidade – pois outros pontos na própria Barra ficaram vazios durante os JO.
Em geral, e até agora, parece que os Jogos não tiveram os grandes impactos esperados no comércio sexual. Todavia, como na Copa do Mundo, notamos uma mobilidade muito grande entre as trabalhadoras do sexo. Os Jogos motivaram alguns deslocamentos no sexscape (paisagem sexual) da cidade, com prostitutas do Centro e Vila Mimosa trabalhando algumas noites em Copacabana, na Praça Mauá e na Barra da Tijuca, cenários oficiais da festa olímpica. O comércio sexual ficou muito mais disperso durante os JO do que durante a Copa, e isso pode ser explicado também porque os turistas, dessa vez, ficaram espalhados por toda a cidade, enquanto que na Copa houve uma concentração nos hotéis, pousadas e apartamentos da Zona Sul.
Os preços cobrados por programa não sofreram mudança (nem na Vila Mimosa, apesar de um jornal inglês ter noticiado, erroneamente, que uma baixa de preços aconteceria para atrair clientes). Também ouvimos muito menos histórias sobre “programas filé mignon” (i.e. clientes que pagam o dobro ou mais do preço regular) do que ouvimos durante a Copa. Algumas das pessoas com quem conversamos, que trabalham via a internet, diziam que antes dos Jogos os sites aumentaram os preços dos programas, mas logo tiveram que rever a tabela porque os clientes não aderiram aos valores mais elevados. Muitas mulheres reclamaram de turistas que se mostravam contrariados quando o sexo se revelava comercial. Durante os JO, pudemos notar o surgimento de um discurso inexistente durante a Copa, em que mais impactante do que a adequação dos preços ao público das Olimpíadas foi a recusa de muitos em pagar por serviços sexuais – algo ocorrido mesmo entre homens frequentadores dos pontos de prostituição mais movimentados em Copacabana.
Quanto aos pontos específicos que observamos, por causa da falta relativa de feriados e a ocupação do Centro pelas atividades olímpicas (e, consequentemente, pela população local e pelos turistas), o comércio sexual do Centro não foi pesadamente afetado pelos Jogos – diferentemente da Copa. Todavia, a maioria dos pontos apresentaram pequenas quedas em termos de número de clientes relativo ao que seria considerado como normal para essa época do ano. Copacabana teve menos atividade do que na Copa (embora ligeiramente mais do que o normal nessa época do ano). Vila Mimosa parece ter tido menos atividade que todos os pontos – ficando quase vazia ao longo dos JO. Um ponto na Barra teve um aumento sensível no número de clientes, enquanto outros pontos no mesmo bairro ficaram quase abandonados. E na Praça Mauá, a principal boate que recebeu o público da prostituição na região portuária teve um aumento de clientes estimado por gerentes e prostitutas de cerca de 30%.
Quais dificuldades e ameaças aconteceram em relação ao exercício da atividade? Houve repressão ou relatos de violência?
Algumas mulheres relataram que a polícia estava expulsando as prostitutas das ruas de acesso ao Maracanã. É difícil saber se isto foi uma medida anti-prostituição ou pró-segurança em geral. Em Copacabana vários atos de violência contra as prostitutas trans aconteceram antes dos JO começarem, e alguns foram inclusive registrados por prostitutas trans ativistas. Dessa vez, a ação foi deflagrada pela por seguranças particulares de estabelecimentos comerciais duas semanas antes do início das Olimpíadas. A não ser por esses casos envolvendo prostitutas travestis e seguranças particulares, durante os Jogos, de maneira geral, houve menos repressão e violência, se compararmos com os dados da Copa. Comparativamente, notamos também uma redução de presença ostensiva da polícia em áreas de prostituição.
Sobre a suposta “agência de pedofilia” montada no entorno do Parque Olímpico faltam elementos para a análise. Embora retratada pelos jornais como operação de combate à exploração sexual de crianças, é importante notar que esse argumento tem sido sempre mobilizado em todas as operações anti-prostituição e, por enquanto, a polícia só tem reunido denúncias e evidências circunstanciais acerca da suposta agência: até agora, nenhum explorador foi preso e nenhuma criança resgatada. Na Barra e no Recreio, as mulheres reportaram operações policiais dirigidas contra o trabalho de crianças e adolescentes envolvidas na prostituição e afirmaram que essas operações não foram endereçadas às prostitutas maiores de idade. Ainda estamos realizando entrevistas com agentes do Estado envolvidos nessas operações para conhecer os desdobramentos dessas denúncias.
Por outro lado, vimos e ouvimos alguns casos de “putafobia”, sobretudo nos locais onde as prostitutas circularam na tentativa de arrumar programas fora dos pontos tradicionais de prostituição. Em Ipanema, por exemplo, testemunhamos agressões físicas e violências simbólicas por parte de brasileiras não prostitutas contra prostitutas em bares da classe média que não são “de prostituição”. Também ouvimos retórica abolicionista empregada por homens para justificar a não-compra do sexo em situações de sedução. Em todas as ocasiões em que presenciamos interações dessa natureza, também testemunhamos agressões simbólicas desses homens contra as prostitutas. Muitas prostitutas comentaram negativamente sobre suas experiências ao tentarem circular em espaços que qualificaram como “de playboy”, tipo Praça Mauá, Praça XV e os bares de Ipanema. Em outras palavras, parece que a maior inclusão de mulheres não prostitutas nesses espaços contribuiu para gerar maiores níveis de putafobia, tanto por parte das mulheres não prostitutas, quanto por parte dos homens que, ali, esperavam realizar encontros sexuais sem a necessidade de pagamento.
Que paralelo, ainda que preliminar, é possível traçar entre as Olimpíadas 2016 e a Copa do Mundo 2014? Que semelhanças e diferenças podem ser identificadas em relação ao panorama da prostituição em ambos os megaeventos?
É muito importante começar lembrando o obvio: a prostituição acontece no Rio o ano todo, não só durante os megaeventos esportivos. O que temos percebido é que há vários fatores que influenciaram a configuração da prostituição nos dois eventos e que precisam ser levados em conta nessa comparação.
Por exemplo, percebemos que nos meses anteriores aos JO, a crise econômica e o fechamento de várias casas no Centro têm criado uma concentração de mulheres trabalhando em um número menor de casas. Ao mesmo tempo, o movimento antes dos Jogos estava baixo também por causa da crise econômica. As mulheres queriam que o movimento melhorasse com os Jogos mas, dado suas experiências na Copa do Mundo, desconfiavam que isso pudesse realmente acontecer (e de fato, não aconteceu….).
Na Copa, as atividades estavam concentradas no Fifa Fan Fest, em Copacabana, e no Maracanã. Houve uma concentração de turistas em certos lugares da cidade, inclusive em pontos de prostituição de Copacabana, enquanto outros lugares permaneceram muito vazios (particularmente o Centro). Houve também muitos feriados na cidade que deixaram áreas como o Centro e a Vila Mimosa, que são majoritariamente frequentados por trabalhadores cariocas, vazios e com muitas casas de portas fechadas.
Nos Jogos Olímpicos houve menos feriados e havia atividades espalhadas pela cidade inteira, além de um número muito maior de turistas que também ficaram espalhados por toda a cidade, desde a Barra até o Centro. Ao contrário da Copa, houve muitas atividades nessas duas regiões. Copacabana continuou como um centro importante de turismo, além de local de algumas competições. Mas a presença de turistas ficou muito mais dispersa nos Jogos Olímpicos do que na Copa.
Neste cenário, nossa percepção inicial é que não houve grandes mudanças na prostituição, devido aos Jogos. No Centro as casas continuaram funcionando dentro da média habitual: com um movimento um pouco abaixo do normal, na maioria das casas, ou acima do normal, no epicentro da festa, na Praça Mauá. Durante a Copa, essas mesmas casas permaneceram fechadas por causa dos feriados e da ausência de festas na região.
Resumindo, o que se observou até aqui, e considerando a cidade em toda a sua extensão, é que o movimento dos mercados de sexo nos JO manteve-se na maioria dos pontos do Centro, mas em quase todos os casos ele não chegou nem perto das expectativas (já baixas) das mulheres e dos gerentes das casas. Pelo outro lado, não houve nenhuma “mega-concentração” de clientes em Copacabana, como foi o caso na Copa. De fato, quase todos os pontos de prostituição do bairro parecem ter tido menos movimento nos Jogos Olímpicos do que na Copa. Vila Mimosa parece ter passado por um movimento igualmente baixo, tanto na Copa quanto nos Jogos Olímpicos – com os Jogos talvez sendo ligeiramente pior. Os efeitos dos Jogos foram muito mais localizados do que na Copa, onde vimos uma clara concentração de prostitutas e clientes em Copacabana. Nos Jogos, as concentrações eram por ponto/casa e ainda em função dos dias. Em geral, poucas casas parecem ter tido um aumento de frequência por ocasião dos Jogos e o mercado no Centro permaneceu ativo.
Quando a pesquisa deve ser concluída e divulgada?
Após dos Jogos Paralímpicos, em outubro de 2016. Depois disso, além do relatório final, organizaremos um livro relatando as nossas experiências na Copa e nos Jogos Olímpicos e incluindo análises mais detalhadas de todos os nossos dados. Para maiores informações, entrem em contato com o Observatório da Prostituição: 21 96548-6273 e observatoriodaprostituicao@gmail.com.